Fotografias da vida

Hoje a minha pena não quer escrever. Roubaram minha inspiração ou talvez ela própria tenha se afastado de mim. Não vai embora, minha amiga! Procuro sem descanso os teus rastros. Onde ficou minha fonte de inspiração?

Suporto a realidade disfarçadamente, trocando lágrimas por sorrisos. Um sorriso doloroso escapa de minha alma despedaçada, como se pudesse me cobrir de sonhos. Talvez seja isso o que me falta agora - devaneios, sonhos, poesia.

Quero o meu livro de poemas, preciso me servir. No cardápio há sobremesa de poesia, diz a voz ao lado. Fujo incessantemente para esse terreno móbil onde repousa minhas alegrias. Alguém me chama no portão de fora e me traz de volta para a realidade. Ah, espere um pouco, quero ficar no mundo dos sonhos, não me chame, por favor.

Vejo que nas fotografias da vida me embelezam aquelas que trazem “receitas da vida inteira”. Perco-me nas imagens do menininho sujo e descalço que passa na rua; no homem de meia idade que chora de amor; no casal de velhinhos vestidos de rugas, trocando afagos e lembranças; na carência dos amantes insaciáveis; na lágrima que cai.

Capto todos os detalhes com lente de aumento, visualizo os gestos, as imperfeições, sinto sensações variadas numa mistura de novidade decadente. Ninguém pode tirar meus sonhos, mexer na minha dor, esconder o perfume da vida. Há um cheiro de milagre invadindo meu corpo, provocando impulso em viver as horas.

Esse é o meu expediente – ver beleza nas imagens do cotidiano e o belo se torna único e a vida se refaz como a natureza que canta o gorjeio da eternidade. Entre todas as fotografias, procuro uma que possa fortalecer os sonhos, afinal de contas a vida precisa ser registrada com tinta, com imagens e com poesia.

Socorro Pinheiro.
Professora da Fecli há 12 anos na unidade da UECE-Iguatú e esta se afastando agora para fazer doutorado em literatura e intercuturalidade na Universidade Estadual da Paraíba em Campina Grande/PB.