domingo, 12 de setembro de 2010

Famílias ainda esperam pela água do carro-pipa


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Antônia da Silva, de Canindé, equilibra-se com panela d´água na cabeça

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A aposentada Margarida Freitas chora diante da falta de água em Catitu de Cima (Pacoti). Os poços estão secando e não há açude

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Em muitos locais, não há outra alternativa senão dividir a água que sobrou nos reservatórios com os bichos. O líquido é barrento

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Em Tauá, cacimbão é cavado "no braço" pelos moradores da região. A areia retirada influencia na qualidade da água

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Luís Venerando Sobrinho mostra a água, de aparência leitosa. O recurso é consumido depois de coado em um pano

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Famílias percorrem grandes distâncias e percalços no caminho para matar a sede. Temem quando as fontes secarem

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No bairro Vila Nova, na periferia de Itatira, uma cisterna fornece água de beber com coloração forte para 100 famílias

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Em Irauçuba, cisterna construída em local onde não havia sequer vestígios de habitação

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Francisco Alves de Moraes teve que abandonar a casa e a cisterna recém-construída. A terra tinha dono

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No último dia 25, seu Luís Lopes Braga viu que não tinha mais água na cisterna.

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Na comunidade de Passarinho, em Irauçuba, só há duas fontes: um olho d’água a 18 quilômetros da casa ou um açude próximo.

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O agricultor carrega o jumento com a cangalha e os reservatórios e parte para o açude.

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Durante o trajeto, em caminhos de terra e vegetação ressequida até onde a vista alcança, a pele queima com o sol forte do final da manhã.

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Seu Luís segue no lombo do jumento, mas terá que voltar a pé quando os reservatórios estiverem cheios.

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A água colhida no açude não é das melhores, já que o gado também a usa para matar a sede, mas servirá para o banho e os serviços domésticos.

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Ao final do percurso, que durou cerca de meia hora, uma surpresa

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Um caminhão pipa estava estacionado em frente à casa do seu Luís, abastecendo a cisterna.Com aquela água, que será utilizada só para beber, a família composta de sete pessoas espera poder chegar até a próxima chuva.

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Enquanto isso, continuarão a recorrer à água do açude para as outras necessidades. Pelo menos, enquanto não secar.

12/9/2010

A dificuldade de acesso à água ainda causa sofrimento e lágrimas para muitas populações do Interior

"Porque é muito triste ter que passar sede, a gente aqui só conta com Deus", respondeu, por fim, dona Margarida Pinheiro de Sousa Freitas. E enquanto falava, chorava; daquele jeito que só os velhos choram, enchendo os olhos de lágrimas e apertando os lábios. De início tímida e um tanto arredia com a equipe de reportagem, a declaração da aposentada ganhou um tom confessional.

Há um dizer no sertão, reproduzido por Rachel de Queiroz em "Dôra, Doralina", de que atrás de cada olho existe um saco de lágrimas, e cada um durante a vida deveria dar vazão àquele tanto, e depois disso nunca mais chorar. Naquele momento, dona Margarida parecia surpresa com sua cota remanescente. Admitir a dor da sede rompia com o conformismo sertanejo e a ideia de que tudo acontece por uma ordem natural das coisas, pela "vontade de Deus". O choro ia caindo lento, quase à sua revelia, como se ela sentisse vergonha de tamanho desperdício. Ou mesmo de sua falta de fé.

Moradora de Catitu de Cima, a 12km da sede de Pacoti, o drama de dona Margarida é apenas um aspecto de um dos maiores problemas enfrentados pelas populações do semiárido: o acesso à água de qualidade. Em várias ocasiões testemunha-se o moderno e o arcaico convivendo na desarmonia das ações pontuais e mal planejadas, sem falar na falta de orientação para o manejo adequado dos recursos. Mostra que o "flagelo da seca" permanece menos por fatores ambientais do que por falta de vontade política.

Em Tauá, a comunidade de Pitombeira vive uma situação paradoxal: apesar da presença de cisternas de placa, as famílias dependem do abastecimento por caminhões pipa, tornando-as reservatórios de água. "Aqui não choveu quase nada, não ficou nem dois palmos de água na cisterna", revela o agricultor José Venerando de Souza.

Quando o caminhão segue seu rumo, ele aproveita a água da cisterna para dar de beber a um bode. Muitos desconhecem ou ignoram que a água da cisterna deve ser usada apenas para beber e cozinhar. Duas casas adiante, o irmão dele, Luiz Venerando, conta que depois da vinda do carro-pipa, ele e a família puderam passar algum tempo sem beber da cacimba cavada "no braço" pelo vizinho, que cede a água por amizade. Seguimos até onde está a cacimba, de onde seu Luiz tira uma água de aparência leitosa. "Mas é água boa, viu? Basta coar com o pano e botar na geladeira", ensina.

Mesmo nos centros urbanos, onde há abastecimento, a situação não é melhor. Na sede de Parambu, quem pode compra água de caminhões que chegam carregados de Baixa do Poço, na divisa entre o Ceará e o Piauí. A dona de casa Francisca Gonçalves de Lima Leite diz que a água da torneira é muito salobra.

"Muita gente fica com dor nas urinas por causa dessa água. Eu mesma não tomo porque tenho gastrite, o jeito é comprar de fora". Em Aiuaba, a água que sai das torneiras é ainda pior, com cheiro forte e coloração semelhante a de chá. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Aiuaba, Francisco Jailson de Castro Feitosa, parte do esgoto das comunidades de Barra e Bonomi cai no rio e chega no Açude Benguê, que abastece a cidade.

Na comunidade de Batoque, a 20km de Caridade, os 52 alunos da Escola João Beres dos Santos tomam a água salobra de um poço, enquanto logo ao lado há uma caixa d´água sem funcionar. "Terminaram a obra há quatro meses, mas o projeto não foi concluído. Agora os canos ressecaram porque deixaram expostos ao sol", comenta o professor Antônio Iranildo Freitas Silva.

Já as crianças que estudam na Creche Criança Esperança, em Tejuçuoca, precisam trazer de casa a água para beber. Em cada garrafinha, etiquetada com o nome do aluno, há água de colorações diversas: barrenta, amarelada, quase limpa, meio suja. Há um dessalinizador, mas está quebrado. Já em Barreira, há contraste entre comunidades vizinhas. Enquanto numa sai água tratada da torneira, a outra depende de poços com água salobra.

Karoline Viana
Repórter

DIFICULDADES

Morador caminha 2km para ter água

As famílias que não foram incluído na Operação-Pipa coordenada pelo Exército, é obrigado a buscar água cada vez mais longe. Em municípios do Sertão central como Quixadá, Quixeramobim, Banabuiú, Choró, Ibaretama, Milhã, Senador Pompeu, Solonópole, o retrato predominante do convívio com a seca ainda aponta para a dificuldade. Os açudes e barreiros ainda estão com água, mas morar próximo das barragens não é garantia nenhuma de alívio. Os mais velhos sofrem mais. A dor no corpo aumenta com a necessidade de carregar a sobrevivência nas costas. A cada ano, o cambão – uma vara de madeira com dois baldes d’água nas pontas – pesa cada vez mais.

Exemplo dessa situação vem de José Alcir da Silva Rodrigues, que caminha cerca de 2km para apanhar água. De beber, não falta, o vizinho não nega. Mas também precisa para o banho e para os bichos. A companheira é doente de não poder se levantar. Ele conta com o aposento dela para se alimentar, principalmente depois do fraco inverno. Favor com favor se paga, não importa a qual distância tenha que apanha-lo. Eles moram na localidade de Vidéo, a 27Km do Centro de Banabuiú.

Carência

Novos distritos entram na lista de água encanada. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), mais de 13 mil famílias não serão mais obrigadas a carregar lata d’água na cabeça. O benefício chega pelo Projeto São José. As próprias comunidades gerenciam os abastecimentos. Todavia, a carência ainda existe. Ainda faltam cisternas e muitos moradores ainda esperam as ações dos governos para amenizar a situação.

Alex Pimentel
Colaborador

PROTAGONISTA

Água do Piauí

José Alves e José Alves Jr., Parambu

Com um caminhão com capacidade para 6 mil litros, José Alves e José Alves Jr. (pai e filho) abastecem Parambu de água trazida do Piauí. Cobram R$ 1 por um balde de 20 litros. "Aqui a clientela é certa, o caminhão volta seco", diz José Alves.

TECNOLOGIA INATIVA

Cisternas abandonadas

Numa terra onde há irregularidade climática e faltam recursos para evitar que pessoas percorram longas distâncias para obtê-la, surpreende encontrar cisternas abandonadas no meio do tempo, sem casa ou família a favorecer. Mas o problema foi registrado em municípios como Canindé, Itatira e Irauçuba, onde há cisternas de placa construídas ao lado de ruínas ou sem nenhum sinal de casa próxima.

A cisterna tem custo médio entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil. Em geral, são construídas com subsídios da União e dos Estados, através de projetos como o Programa Milhão de Cisternas (P1MC) e o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), executadas por ONG´s e instituições da sociedade civil.

De acordo com Alessandro Nunes, assessor técnico da Cáritas região Ceará, que faz parte da comissão executiva do P1MC, a obtenção de uma cisterna é o ponto culminante de um processo que envolve formação e sensibilização das comunidades beneficiadas, para que eles possam replicar a gestão participativa da água e manejo da nova tecnologia.

"O entendimento que temos desses casos, que são pontuais, é que eles ocorrem não por falta de formação. Mas cada comunidade, cada família absorve isso de forma diferenciada. Nós lidamos com pessoas, com culturas e formações educacionais diversas, então não é possível achar que todos vão colocar em prática da mesma forma. O fato é que os resultados positivos do programa compensam eventuais casos de abandono", argumenta.

Pouco antes de chegar à sede de Itatira, em Poço da Pedra, chegamos a encontrar o antigo morador da casa onde havia uma cisterna e da qual só restava algumas paredes de taipa. O agricultor Francisco Alves de Moraes conta que arrendou o terreno onde construiu a casa e de lá tirava seu sustento. Quando a cisterna não tinha um mês de uso, a proprietária pediu o terreno de volta, segundo ele motivada por conflitos familiares. "Mas também a cisterna rachou, nem adianta lamentar".

Há quatro anos, ele vive com a mulher na casa de um amigo, próximo da antiga casa. Está construindo uma nova, além de uma outra cisterna com material, segundo ele, fornecido pelo Governo do Estado.

Apesar da importância dessas tecnologias, casos de mau uso e o abandono alertam para a necessidade de um melhor acompanhamento dos beneficiários. Segundo José Soares da Silva Filho, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Aracoiaba, eles já adotam critérios para as cisternas, que são concedidas se a pessoa for proprietária do terreno ou se o dono permitir a construção.

"Houve um caso de um morador do distrito de Jucás, em Baturité, que arrendava um terreno e conseguiu uma cisterna. Assim que ficou pronta, o dono pediu o terreno de volta dizendo que era para a filha dele. Depois, quando o morador quis fazer uma nova cisterna, já constava na lista anterior e ele perdeu o direito. Muitos donos de terra querem a cisterna só para valorizar o terreno", comenta.

Alessandro Nunes diz que a construção desses reservatórios em propriedades privadas é uma questão complexa. "As instituições sociais veem com certo receio, porque pode ser utilizada por quem não precisa. Mas não se pode negar o acesso à água a pessoas que arrendam ou vivem em terras privadas, por isso o Ministério do Desenvolvimento Social permite que eles se beneficiem".

No Assentamento Nova Vida, em Canindé, encontramos outras duas cisternas na mesma situação. Antônia Aparecida Ferreira (ver matéria na página 4) revela que teve que sair de um imóvel com o reservatório. "A casa e a cisterna ficavam numa baixa, quando chovia não pegava água. E em 2009 alagou a casa e tivemos que construir outra no alto".

Dona Aparecida afirma que a situação não é diferente nas outras casas do assentamento. "Aqui quase todas as cisternas estão secas, depois elas racham e ficam assim, sem serventia. Agora o jeito é pegar água de beber na Fazenda Iracema, onde o gado de lá também bebe".

Em Irauçuba, na comunidade de Cacimba Salgada, encontramos três cisternas com placas do P1MC. Em uma delas, apenas um batente e o resto de um tanque indicavam que ali foi um local habitado. Não havia nenhuma casa próxima ou pessoa que pudesse explicar o motivo do abandono das cisternas.

Para o assessor da Cáritas, a cisterna não é uma solução definitiva para a questão da água no semiárido, e sim uma forma de atender uma necessidade imediata. "A segurança hídrica passa por garantir o acesso a vários tipos de água para várias necessidades: água para escola, consumo humano e animal, agricultura e até lazer, por que não? O problema do Ceará não é falta de água: temos chuvas, grandes reservatórios, água subterrânea. A questão é como descentralizar e priorizar o acesso".

Ele acrescenta que também é preciso aperfeiçoar os critérios de priorização das cidades. "Há casos em que o MDS se baseia no número de beneficiários do Bolsa Família para calcular o número de cisternas, mas nem sempre ter o perfil de baixa renda implica em necessitar de água. Enquanto isso, há comunidades que não recebem cisterna porque já possuem uma adutora, mas a água dessa adutora não é de boa qualidade. Os estudos deveriam ser mais localizados para que as políticas públicas possam se aproximar da realidade desses locais".

Fonte: Diario do Nordeste.

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