Liderança
Da infância pobre no interior do Ceará ao exercício da liderança no mundo empresarial, Honório Pinheiro, dono da rede Pinheiro Supermercado, fala ao O POVO sobre as dificuldades de negociação entre empresários e trabalhadores do comércio e chama a atenção para a necessidade de uma regulação no setor de supermercados
Dalviane Pires
da Redação
29 Jun 2009 - 00h58min
O empresário Honório Pinheiro recorda a infância com brilho nos olhos. Lembra do tempo em que comia peixe em praticamente todas as refeições do dia. Vida difícil, sofrida. A alternativa encontrada por sua família, muitas vezes, era buscar alimento onde era possível: em um açude perto de casa, no distrito em que morava, Boqueirão, Solonópole, a 330 quilômetros de Fortaleza.
Apesar das poucas condições financeiras, nunca descuidou dos estudos. Era questão de honra para a mãe professora e para o pai agricultor, homem pouco letrado, mas “muito disposto”. Na casa dele, quem estudava nem precisava ir para a roça. Mesmo assim o menino ‘aplumava’ o jumento e saia pela estrada de piçarra entregando água nas casas para ganhar um trocado.
E se o mundo roda, rodou para Pinheiro. Chegou em Fortaleza com uma mão na frente e outra atrás. Morou de favor em um bar. Queria dar continuidade aos estudos e deu a volta por cima. Formou-se, trabalhou em grandes empresas, abriu o próprio negócio. Hoje é uma liderança comercial e um empresário de sucesso no setor de alimentos.
Sobre o momento do comércio local, tendo em vista as dificuldades de negociação entre empresários e comerciários sobre o horário de funcionamento do comércio, Pinheiro reforça que os dois lados precisam ceder, mas defende a separação entre direitos do trabalhador e horário de abertura dos pontos comerciais.
Pinheiro fala ainda sobre o setor de supermercados no Estado e chama a atenção para a necessidade de uma regulação do segmento, onde os grandes e pequenos possam conviver de forma harmônica, cada um no seu espaço.
O POVO - O senhor nasceu em Boqueirão, em Solonópole. Que lembranças guarda daquela época?
Honório Pinheiro - Nasci numa família extremamente pobre.. Somos em cinco irmãos, sendo uma mulher e mais uma irmã adotiva. Minha mãe era professora e meu pai era agricultor. Tive uma infância como a de todo menino pobre daquela região, com momentos de dificuldades na alimentação. Lembro que morávamos próximo a um açude público que na época tinha um volume de água muito forte. Esse açude se chamava Boqueirão, como o distrito. O peixe era um dos alimentos que tínhamos mais farto.
O POVO - E quem pescava?
Pinheiro - Nós pescávamos, a comunidade pescava. Uma das coisas difíceis era ter que tomar café da manhã com peixe, almoçar peixe e jantar peixe. Mas depois as coisas melhoraram e a gente criou uma vaca, tinha leite. Essa foi minha primeira infância, dos zero aos sete anos. Dos sete em diante, eu colocava água nas casas pra poder ganhar algum dinheiro. Colocava a água num jumento, com umas ancoretas e também no ombro. Daí fui para Solonópole e na cidade comecei a trabalhar na paróquia. Fui secretário do padre Agenor Tabosa Pinto.
O POVO - Sua mãe, até por ser professora, pegava no pé de vocês para que estudassem?
Pinheiro - Pegava. E o papai, apesar de muito pobre, sempre direcionou para que a gente estudasse. Quem estudava não precisava ir para a roça. E eu sempre tive o desejo de estudar.
O POVO - E como foram os estudos em Solonópole?
Pinheiro - Logo me tornei líder de classe e também fazia um programa numa radiadora que tinha na paróquia. À noite eu dava os avisos na radiadora. Costumo dizer que tenho voz de locutor de rádio do interior. Uma voz grave, né? Parece voz de quem quer brigar. Nessa época estudava em um ginásio da comunidade. Teve um ano de muita seca e eu me tornei líder, fazia discurso nas frentes de serviços. Naquela época no Ceará eram comuns as frentes de serviços. Não sei se você sabe o que é isso, mas frentes de serviço era quando na seca iam fazer uma barragem, uma estrada e juntava toda a gente para trabalhar e eu trabalhava com aquela gente, tentando mostrar alguns aspectos políticos.
O POVO - E como foi a vinda para Fortaleza?
Pinheiro - O meu irmão mais velho, o Bosco, que hoje é meu sócio, foi estudar com os irmãos Maristas em Aracati. Mais tarde tinha que ir para Recife, mas para ir para Recife tinha que pagar e papai não pode pagar. Então ele terminou o primeiro momento dos Maristas e como não foi para Recife veio para Fortaleza trabalhar no comércio. Daí vim para morar com ele. Peguei um ônibus e vim fazer o chamado segundo grau.
O POVO - Veio sem nada certo?
Pinheiro - Só sabia que vinha pra cá e que vinha estudar. Tinha alguns parentes distantes, sem muita condição. E quando cheguei aqui encontrei com meu irmão e ele morava na casa de um parente. Mas lá não dava para morar os dois. Então fomos morar num bar, na Clarindo de Queiroz, em frente a Faculdade de Direito. Era o bar do Milton. O Milton abria o bar de manhã, nós saíamos e à noite quando ele fechava o bar trancava a gente pra dormir. Ali era a nossa morada.
O POVO - E você arrumou um emprego logo?
Pinheiro - Meu primeiro trabalho em Fortaleza foi de vendedor de livros. Vendia livros de porta em porta. Para vender esses livros eu precisava andar de paletó. A pessoa mais próxima a mim que tinha um paletó era um tio meu, já falecido, que era motorista do Tribunal de Justiça. E motorista de desembargador também tinha que andar de paletó. Ele tinha dois paletós e me emprestou um. E com esse paletó comecei minha vida de vendedor de livros. Depois de quatro meses fui campeão de vendas sem conhecer ruas, só rodando e conversando com as pessoas.
O POVO - Foi aí que você sentiu que tinha tino comercial?
Pinheiro - Eu sempre tive facilidade para expor meus pontos de vista. Mas sempre com muita humildade. Na época era muito difícil conseguir um emprego. Não havia capacitação, era na marra. Depois comecei a trabalhar em escritórios. Conheci algumas empresas, pessoas e fui criando meus relacionamentos aqui na Capital.
O POVO - E os estudos?
Pinheiro - Foi depois de casar que passei no vestibular.
O POVO - Isso trabalhando em escritório?
Pinheiro - Já estava em um grupo de crédito imobiliário, uma empresa grande na época. Passei no vestibular para Administração. Foi também uma grande oportunidade. Na época a Unifor estava iniciando e o Edson Queiroz dava algumas bolsas. Consegui uma bolsa através de um primo que trabalhava na Receita Federal. Mas aí já estava casado e as coisas estavam melhorando. Fui executivo de outras duas empresas: do Grupo J. Macedo, que foi minha grande escola, e depois da Volkswagen.
O POVO - E a ideia de ter o próprio negócio surgiu quando?
Pinheiro - Em abril fez 18 anos que baixei minha carteira profissional e comecei a trabalhar com supermercados.
O POVO - Como era o setor na época?
Pinheiro - Só existiam o Romcy e os pequenos. Botei uma mercearia para o papai trabalhar. Montei a mercearia com o meu irmão Bosco. O papai era um camarada muito disposto. Não sabia ler, mas sabia fazer conta, sabia negociar. Essa coisa do comércio nós herdamos dele. A mercearia se chamava União e ficava no Pan Americano.
O POVO - E o negócio deu certo logo de primeira?
Pinheiro - A mercearia crescendo e veio o plano Collor. Na época começavam a trabalhar com o autoserviço e era preciso derrubar o balcão. Papai nunca aceitou. Achava que se derrubasse o balcão a mercearia ia acabar.
O POVO - Era o começo desse conceito de venda, sem balcão?
Pinheiro. Sim. Era o autoserviço se capilarizando. Os grandes supermercados já tinham isso. O Bosco, que era mais tolerante, conseguiu convencer o papai. E quando derrubou o balcão o negócio cresceu. E papai começou a se animar.
O POVO - Daí foi o momento do senhor ampliar o negócio?
Pinheiro - Sim. Nessa época eu já era executivo, tinha três filhos, tinha casa, carro, estava cursando uma segunda faculdade, Direito. Mas eu queria construir meu negócio.
O POVO - Onde foi a primeira loja?
Pinheiro - Abri uma loja onde, na época, só quem não conhecia abriria uma loja lá. Na Vila Manoel Sátiro. Foi o único local que encontrei com espaço. Para você ter uma ideia, hoje está tudo asfaltado, mas na época tinha um riacho que passava na Perimetral e a gente tinha que passar com as coisas na cabeça. O nome era Casas Pinheiro, que mais tarde se transformou em Pinheiro Supermercado. Meu irmão Bosco no começo continuou na Brahma, onde trabalhava na época, mas dois anos depois veio cuidar do negócio comigo e o negócio alavancou. Mas nunca deixei de estudar e nunca fiz uma única coisa.
O POVO - Voltando no tempo em que ainda era Casas Pinheiro e que foi crescendo. A que você atribui o sucesso?
Pinheiro - Sempre há momentos e eu cresci em um momento de grande crise do Brasil que foi na época do Collor, onde ele congelou os recursos de todo mundo. Criei alguns músculos ali. Acho que de certa forma eu tive uma visão já prática, com muita coragem para trabalhar. Já possuía alguns pilares que me davam competência para trabalhar com qualidade. Isso começou a fazer a diferença a partir desse momento.
O POVO - Hoje, se bobear, nasce um supermercado novo na cidade todo mês. O que mudou daquela época para cá?
Pinheiro - O Estado cresceu, o Brasil cresceu, se fortaleceu e o mercado foi aberto. Se tornou integrado, globalizado. E as empresas lá de fora vieram pra cá e chegam aqui de forma muito forte. Chegam com capital, com escala, comprando fortemente. Chegam com tecnologia. Então elas vêm com isso tudo e sem uma regulação. Os nossos governos não regulam o mercado para poder definir o que é um mercado interno e um mercado externo. No país de origem dessas empresas elas são reguladas, mas aqui não.
O POVO - E como funcionaria o setor em caso de uma regulação?
Pinheiro - Funcionaria da seguinte maneira: se você vai montar uma loja de 10 mil metros, não pode colocar junto de quem tem loja de mil, oitocentos metros, lojas pequenas. Tem que colocar em um outro mercado, distante para que se torne uma loja abastecedora e não uma loja de vizinhança. Hoje não há critério. As lojas abastecedoras se confundem com as lojas de vizinhança. Então a regulação do mercado é uma coisa que precisa ser repensada. Nós temos várias lojas imensas de multinacionais para abrir aqui. Então os pequenos, que somos nós, só estamos bem porque estamos cultivando um negócio chamado associativismo comercial, através da Super Rede. É onde os supermercados regionais se juntam.
O POVO - E onde o associativismo faz a diferença?
Pinheiro - Na compra, já que a gente compra em escala, na tecnologia, já que trocamos experiências, e ajuda na mídia.
O POVO - Ainda há espaço para supermercados de bairro?
Pinheiro - Há. Há porque os tempos só melhoraram. Hoje você tem capacitação gratuita,, tem microcrédito muito mais fácil. Então, hoje o mercado está mais fácil por um lado, mas está mais difícil por outro. O mercado está mais exigente. Quem quer iniciar ainda tem um bom espaço, mas é claro que tem que examinar alguns conceitos: o ponto de venda é fator determinante. Por exemplo, hoje eu jamais aconselharia alguém a fazer como fizemos com a nossa segunda loja, abrir em um local só porque encontramos um espaço desocupado.
O POVO - E como foi a expansão do Pinheiro para o interior?
Pinheiro - Foi uma coisa interessante porque a partir da provocação das multinacionais chegando aqui, fui ao Sebrae e pedi para que fizessem uma pesquisa para saber em quais cidades do Interior poderíamos colocar um supermercado. Na época Sobral foi colocado como a melhor alternativa. Começamos a estudar o projeto de Sobral e surgiu uma oportunidade de comprar uma loja pronta em Quixadá, uma loja pequena de alguém que estava desistindo do negócio. E ao mesmo tempo começamos a construir a loja de Sobral, onde fomos bem acolhidos. A cidade estava precisando e o prefeito na época era o Cid Gomes. Ele apoiou, entendeu como um avanço, e nos estruturamos em Sobral imaginando estar dez anos a frente da cidade. Só que isso não aconteceu. Três anos depois chegaram mais uns três supermercados com a mesma capacidade nossa.
O POVO - Em uma entrevista que fiz com o seu João Melo, dos Mercadinhos São Luiz, no ano passado, pouco antes dele falecer, ele me falou dessa preocupação com os pequenos comerciantes do interior, do cuidado para não ‘engolir’ os pequenos. Como você lida com essa questão?
Pinheiro - Nós temos que entender o seguinte: no nosso caso, há a consciência de que nossa chegada no interior provocou no mercado local uma espécie de inquietação. Mas se você observar em um período de maturação, os de lá também cresceram. Hoje ,quando se vai para o interior, não vai mais tão mais fortalecido. Vamos com mais escala, serviços. Mas eles absorvem a nossa experiência e começam a melhorar a escala deles também.
O POVO - Mas o consumidor gosta de novidade...
Pinheiro - Gosta nos primeiros 60 dias, depois se acomoda. Porque em uma atividade de varejo o que ele deseja e absorve é a proximidade dele. Depois é o atendimento e em terceiro é o preço.
O POVO - O comércio local vive hoje um momento delicado em relação a lei municipal que determina o fechamento do comércio de rua a partir das 16h de sábado e aos domingos. Por que é tão difícil patrão negociar com empregado?
Pinheiro - Eu nunca tive dificuldade para negociar com nossos colaboradores não. Há muito tempo a gente exercita bem essa coisa da negociação. Agora é preciso separar horário de funcionamento do comércio e direitos trabalhistas. Acho que o comércio tem que abrir toda hora, ainda mais em uma cidade como Fortaleza. Você não pode restringir horários. Você trabalha o tempo todo e quer ir na Dom Luís fazer uma compra no sábado, fim de tarde. Já imaginou a Dom Luís fechada, a Monsenhor Tabosa fechada? Sou contra essa coisa que regula o horário. Mas acho que tem que acompanhar bem os direitos dos trabalhadores. As coisas estão misturadas.
O POVO - O setor de supermercados já tem acordo para abrir e como foi essa negociação com os trabalhadores?
Pinheiro - Foi a evolução natural das coisas. O ser humano evolui, as demandas vão surgindo. Os supermercados já abrem no Brasil há não sei quantos anos, então aos poucos fomos conquistando esses espaços. Mas ainda há quem faça pontuações para que o setor não abra. Veja bem, o Código do Direito Comercial é muito antigo. Acho que dos anos 40. Estamos em 2009. E o código diz o seguinte: que somente podem abrir nesses horários empresas que vendam remédios, pães e verdura. Mas ainda não tinha supermercados. Acho que precisamos evoluir nesse conceito de relação de trabalho no Brasil. Precisamos compreender que o Brasil precisa é de trabalho.
O POVO - E por que as negociações entre empresários e comerciários de outros setores não avançam?
Pinheiro - Acho que as partes precisam ceder. Mas é preciso lembrar que o comércio no Ceará é composto por 96% de micro, pequenas e médias empresas. É um universo muito grande. Essa coisa precisa ser bem trabalhada. O direito do trabalhador tem que ser respeitado, o trabalhador tem que folgar. E é preciso fiscalizar esse direito do trabalhador. Mas o que está acontecendo agora é que estão atrelando a legislação apresentada pelo município para poder ganhar um pouco na negociação.
Honório Pinheiro nasceu em 1954 no distrito de Boqueirão, em Solonópole, distante 330 quilômetros de Fortaleza.
Honório é o segundo filho de uma família de cinco filhos. Quando os mais velhos começaram a vir para Fortaleza para estudar, os pais de Honório adotaram uma menina.
Na presidência da CDL, Honório Pinheiro colocou em prática um projeto voltado para a educação. Criou a Faculdade CDL que forma a primeira turma no ano que vem, e deve ser reconhecida pelo MEC.
Nas palavras de Honório Pinheiro “não há desenvolvimento sem educação e todos os que investem em educação recebem o bônus de uma forma muito célebre”.
Durante a entrevista, Honório destacou mais de uma vez a importância da capacitação do comércio cearense. Segundo ele, há gente procurando emprego e empresas recrutando e muitas vezes não se encontram profissionais pela falta de capacitação.
A entrevista foi acompanhada pela assessora de imprensa da CDL, Eugênia Nogueira. Antes de começar a conversa, educadamente Eugênia perguntou se poderia acompanhar a entrevista. A reportagem abriu uma exceção e disse sim. Muitas vezes a presença de outras pessoas inibem o entrevistado.
Honório se formou em Administração e mais tarde em Direito. Há pouco tempo fez cursou Psicologia. “Um curso que fiz de mim para mim com muito amor. Recomendo a qualquer um que tenha a possibilidade de fazer”.
Honório está no segundo casamento. Espera para os próximos dias o nascimento de Pedro, seu quarto filho.
Honório conta que se interessou pela psicologia inicialmente pelo interesse no campo organizacional. “O maior proveito que tirei do curso foi trabalhar melhor a minha escuta. Eu como latino e nordestino sou muito oral e a psicologia me deu a oportunuidade de desenvolver melhor a escuta”.
Honório Pinheiro deixa a presidência da CDL em julho. Quem assume o cargo é o empresário Freitas Cordeiro, dono Mil Tintas, FZ Imóveis e Himperjet
Uma das coisas difíceis era ter que tomar café da manhã peixe, almoçar peixe e jantar peixe. Mas depois as coisas melhoraram e a gente criou uma vaca, tinha leite. Essa foi minha primeira infância, dos zero aos sete anos
Sempre há momentos e eu cresci em um momento de grande crise do Brasil que foi na época do Collor, onde ele congelou os recursos de todo mundo
Então os pequenos, que somos nós, só estamos bem porque estamos cultivando e desenvolvendo um negócio chamado associativismo comercial, através da Super Rede
Leia a entrevista na íntegra no: www.opovo.com.br/conteudoextra
Da infância pobre no interior do Ceará ao exercício da liderança no mundo empresarial, Honório Pinheiro, dono da rede Pinheiro Supermercado, fala ao O POVO sobre as dificuldades de negociação entre empresários e trabalhadores do comércio e chama a atenção para a necessidade de uma regulação no setor de supermercados
Dalviane Pires
da Redação
29 Jun 2009 - 00h58min
O empresário Honório Pinheiro recorda a infância com brilho nos olhos. Lembra do tempo em que comia peixe em praticamente todas as refeições do dia. Vida difícil, sofrida. A alternativa encontrada por sua família, muitas vezes, era buscar alimento onde era possível: em um açude perto de casa, no distrito em que morava, Boqueirão, Solonópole, a 330 quilômetros de Fortaleza.
Apesar das poucas condições financeiras, nunca descuidou dos estudos. Era questão de honra para a mãe professora e para o pai agricultor, homem pouco letrado, mas “muito disposto”. Na casa dele, quem estudava nem precisava ir para a roça. Mesmo assim o menino ‘aplumava’ o jumento e saia pela estrada de piçarra entregando água nas casas para ganhar um trocado.
E se o mundo roda, rodou para Pinheiro. Chegou em Fortaleza com uma mão na frente e outra atrás. Morou de favor em um bar. Queria dar continuidade aos estudos e deu a volta por cima. Formou-se, trabalhou em grandes empresas, abriu o próprio negócio. Hoje é uma liderança comercial e um empresário de sucesso no setor de alimentos.
Sobre o momento do comércio local, tendo em vista as dificuldades de negociação entre empresários e comerciários sobre o horário de funcionamento do comércio, Pinheiro reforça que os dois lados precisam ceder, mas defende a separação entre direitos do trabalhador e horário de abertura dos pontos comerciais.
Pinheiro fala ainda sobre o setor de supermercados no Estado e chama a atenção para a necessidade de uma regulação do segmento, onde os grandes e pequenos possam conviver de forma harmônica, cada um no seu espaço.
O POVO - O senhor nasceu em Boqueirão, em Solonópole. Que lembranças guarda daquela época?
Honório Pinheiro - Nasci numa família extremamente pobre.. Somos em cinco irmãos, sendo uma mulher e mais uma irmã adotiva. Minha mãe era professora e meu pai era agricultor. Tive uma infância como a de todo menino pobre daquela região, com momentos de dificuldades na alimentação. Lembro que morávamos próximo a um açude público que na época tinha um volume de água muito forte. Esse açude se chamava Boqueirão, como o distrito. O peixe era um dos alimentos que tínhamos mais farto.
O POVO - E quem pescava?
Pinheiro - Nós pescávamos, a comunidade pescava. Uma das coisas difíceis era ter que tomar café da manhã com peixe, almoçar peixe e jantar peixe. Mas depois as coisas melhoraram e a gente criou uma vaca, tinha leite. Essa foi minha primeira infância, dos zero aos sete anos. Dos sete em diante, eu colocava água nas casas pra poder ganhar algum dinheiro. Colocava a água num jumento, com umas ancoretas e também no ombro. Daí fui para Solonópole e na cidade comecei a trabalhar na paróquia. Fui secretário do padre Agenor Tabosa Pinto.
O POVO - Sua mãe, até por ser professora, pegava no pé de vocês para que estudassem?
Pinheiro - Pegava. E o papai, apesar de muito pobre, sempre direcionou para que a gente estudasse. Quem estudava não precisava ir para a roça. E eu sempre tive o desejo de estudar.
O POVO - E como foram os estudos em Solonópole?
Pinheiro - Logo me tornei líder de classe e também fazia um programa numa radiadora que tinha na paróquia. À noite eu dava os avisos na radiadora. Costumo dizer que tenho voz de locutor de rádio do interior. Uma voz grave, né? Parece voz de quem quer brigar. Nessa época estudava em um ginásio da comunidade. Teve um ano de muita seca e eu me tornei líder, fazia discurso nas frentes de serviços. Naquela época no Ceará eram comuns as frentes de serviços. Não sei se você sabe o que é isso, mas frentes de serviço era quando na seca iam fazer uma barragem, uma estrada e juntava toda a gente para trabalhar e eu trabalhava com aquela gente, tentando mostrar alguns aspectos políticos.
O POVO - E como foi a vinda para Fortaleza?
Pinheiro - O meu irmão mais velho, o Bosco, que hoje é meu sócio, foi estudar com os irmãos Maristas em Aracati. Mais tarde tinha que ir para Recife, mas para ir para Recife tinha que pagar e papai não pode pagar. Então ele terminou o primeiro momento dos Maristas e como não foi para Recife veio para Fortaleza trabalhar no comércio. Daí vim para morar com ele. Peguei um ônibus e vim fazer o chamado segundo grau.
O POVO - Veio sem nada certo?
Pinheiro - Só sabia que vinha pra cá e que vinha estudar. Tinha alguns parentes distantes, sem muita condição. E quando cheguei aqui encontrei com meu irmão e ele morava na casa de um parente. Mas lá não dava para morar os dois. Então fomos morar num bar, na Clarindo de Queiroz, em frente a Faculdade de Direito. Era o bar do Milton. O Milton abria o bar de manhã, nós saíamos e à noite quando ele fechava o bar trancava a gente pra dormir. Ali era a nossa morada.
O POVO - E você arrumou um emprego logo?
Pinheiro - Meu primeiro trabalho em Fortaleza foi de vendedor de livros. Vendia livros de porta em porta. Para vender esses livros eu precisava andar de paletó. A pessoa mais próxima a mim que tinha um paletó era um tio meu, já falecido, que era motorista do Tribunal de Justiça. E motorista de desembargador também tinha que andar de paletó. Ele tinha dois paletós e me emprestou um. E com esse paletó comecei minha vida de vendedor de livros. Depois de quatro meses fui campeão de vendas sem conhecer ruas, só rodando e conversando com as pessoas.
O POVO - Foi aí que você sentiu que tinha tino comercial?
Pinheiro - Eu sempre tive facilidade para expor meus pontos de vista. Mas sempre com muita humildade. Na época era muito difícil conseguir um emprego. Não havia capacitação, era na marra. Depois comecei a trabalhar em escritórios. Conheci algumas empresas, pessoas e fui criando meus relacionamentos aqui na Capital.
O POVO - E os estudos?
Pinheiro - Foi depois de casar que passei no vestibular.
O POVO - Isso trabalhando em escritório?
Pinheiro - Já estava em um grupo de crédito imobiliário, uma empresa grande na época. Passei no vestibular para Administração. Foi também uma grande oportunidade. Na época a Unifor estava iniciando e o Edson Queiroz dava algumas bolsas. Consegui uma bolsa através de um primo que trabalhava na Receita Federal. Mas aí já estava casado e as coisas estavam melhorando. Fui executivo de outras duas empresas: do Grupo J. Macedo, que foi minha grande escola, e depois da Volkswagen.
O POVO - E a ideia de ter o próprio negócio surgiu quando?
Pinheiro - Em abril fez 18 anos que baixei minha carteira profissional e comecei a trabalhar com supermercados.
O POVO - Como era o setor na época?
Pinheiro - Só existiam o Romcy e os pequenos. Botei uma mercearia para o papai trabalhar. Montei a mercearia com o meu irmão Bosco. O papai era um camarada muito disposto. Não sabia ler, mas sabia fazer conta, sabia negociar. Essa coisa do comércio nós herdamos dele. A mercearia se chamava União e ficava no Pan Americano.
O POVO - E o negócio deu certo logo de primeira?
Pinheiro - A mercearia crescendo e veio o plano Collor. Na época começavam a trabalhar com o autoserviço e era preciso derrubar o balcão. Papai nunca aceitou. Achava que se derrubasse o balcão a mercearia ia acabar.
O POVO - Era o começo desse conceito de venda, sem balcão?
Pinheiro. Sim. Era o autoserviço se capilarizando. Os grandes supermercados já tinham isso. O Bosco, que era mais tolerante, conseguiu convencer o papai. E quando derrubou o balcão o negócio cresceu. E papai começou a se animar.
O POVO - Daí foi o momento do senhor ampliar o negócio?
Pinheiro - Sim. Nessa época eu já era executivo, tinha três filhos, tinha casa, carro, estava cursando uma segunda faculdade, Direito. Mas eu queria construir meu negócio.
O POVO - Onde foi a primeira loja?
Pinheiro - Abri uma loja onde, na época, só quem não conhecia abriria uma loja lá. Na Vila Manoel Sátiro. Foi o único local que encontrei com espaço. Para você ter uma ideia, hoje está tudo asfaltado, mas na época tinha um riacho que passava na Perimetral e a gente tinha que passar com as coisas na cabeça. O nome era Casas Pinheiro, que mais tarde se transformou em Pinheiro Supermercado. Meu irmão Bosco no começo continuou na Brahma, onde trabalhava na época, mas dois anos depois veio cuidar do negócio comigo e o negócio alavancou. Mas nunca deixei de estudar e nunca fiz uma única coisa.
O POVO - Voltando no tempo em que ainda era Casas Pinheiro e que foi crescendo. A que você atribui o sucesso?
Pinheiro - Sempre há momentos e eu cresci em um momento de grande crise do Brasil que foi na época do Collor, onde ele congelou os recursos de todo mundo. Criei alguns músculos ali. Acho que de certa forma eu tive uma visão já prática, com muita coragem para trabalhar. Já possuía alguns pilares que me davam competência para trabalhar com qualidade. Isso começou a fazer a diferença a partir desse momento.
O POVO - Hoje, se bobear, nasce um supermercado novo na cidade todo mês. O que mudou daquela época para cá?
Pinheiro - O Estado cresceu, o Brasil cresceu, se fortaleceu e o mercado foi aberto. Se tornou integrado, globalizado. E as empresas lá de fora vieram pra cá e chegam aqui de forma muito forte. Chegam com capital, com escala, comprando fortemente. Chegam com tecnologia. Então elas vêm com isso tudo e sem uma regulação. Os nossos governos não regulam o mercado para poder definir o que é um mercado interno e um mercado externo. No país de origem dessas empresas elas são reguladas, mas aqui não.
O POVO - E como funcionaria o setor em caso de uma regulação?
Pinheiro - Funcionaria da seguinte maneira: se você vai montar uma loja de 10 mil metros, não pode colocar junto de quem tem loja de mil, oitocentos metros, lojas pequenas. Tem que colocar em um outro mercado, distante para que se torne uma loja abastecedora e não uma loja de vizinhança. Hoje não há critério. As lojas abastecedoras se confundem com as lojas de vizinhança. Então a regulação do mercado é uma coisa que precisa ser repensada. Nós temos várias lojas imensas de multinacionais para abrir aqui. Então os pequenos, que somos nós, só estamos bem porque estamos cultivando um negócio chamado associativismo comercial, através da Super Rede. É onde os supermercados regionais se juntam.
O POVO - E onde o associativismo faz a diferença?
Pinheiro - Na compra, já que a gente compra em escala, na tecnologia, já que trocamos experiências, e ajuda na mídia.
O POVO - Ainda há espaço para supermercados de bairro?
Pinheiro - Há. Há porque os tempos só melhoraram. Hoje você tem capacitação gratuita,, tem microcrédito muito mais fácil. Então, hoje o mercado está mais fácil por um lado, mas está mais difícil por outro. O mercado está mais exigente. Quem quer iniciar ainda tem um bom espaço, mas é claro que tem que examinar alguns conceitos: o ponto de venda é fator determinante. Por exemplo, hoje eu jamais aconselharia alguém a fazer como fizemos com a nossa segunda loja, abrir em um local só porque encontramos um espaço desocupado.
O POVO - E como foi a expansão do Pinheiro para o interior?
Pinheiro - Foi uma coisa interessante porque a partir da provocação das multinacionais chegando aqui, fui ao Sebrae e pedi para que fizessem uma pesquisa para saber em quais cidades do Interior poderíamos colocar um supermercado. Na época Sobral foi colocado como a melhor alternativa. Começamos a estudar o projeto de Sobral e surgiu uma oportunidade de comprar uma loja pronta em Quixadá, uma loja pequena de alguém que estava desistindo do negócio. E ao mesmo tempo começamos a construir a loja de Sobral, onde fomos bem acolhidos. A cidade estava precisando e o prefeito na época era o Cid Gomes. Ele apoiou, entendeu como um avanço, e nos estruturamos em Sobral imaginando estar dez anos a frente da cidade. Só que isso não aconteceu. Três anos depois chegaram mais uns três supermercados com a mesma capacidade nossa.
O POVO - Em uma entrevista que fiz com o seu João Melo, dos Mercadinhos São Luiz, no ano passado, pouco antes dele falecer, ele me falou dessa preocupação com os pequenos comerciantes do interior, do cuidado para não ‘engolir’ os pequenos. Como você lida com essa questão?
Pinheiro - Nós temos que entender o seguinte: no nosso caso, há a consciência de que nossa chegada no interior provocou no mercado local uma espécie de inquietação. Mas se você observar em um período de maturação, os de lá também cresceram. Hoje ,quando se vai para o interior, não vai mais tão mais fortalecido. Vamos com mais escala, serviços. Mas eles absorvem a nossa experiência e começam a melhorar a escala deles também.
O POVO - Mas o consumidor gosta de novidade...
Pinheiro - Gosta nos primeiros 60 dias, depois se acomoda. Porque em uma atividade de varejo o que ele deseja e absorve é a proximidade dele. Depois é o atendimento e em terceiro é o preço.
O POVO - O comércio local vive hoje um momento delicado em relação a lei municipal que determina o fechamento do comércio de rua a partir das 16h de sábado e aos domingos. Por que é tão difícil patrão negociar com empregado?
Pinheiro - Eu nunca tive dificuldade para negociar com nossos colaboradores não. Há muito tempo a gente exercita bem essa coisa da negociação. Agora é preciso separar horário de funcionamento do comércio e direitos trabalhistas. Acho que o comércio tem que abrir toda hora, ainda mais em uma cidade como Fortaleza. Você não pode restringir horários. Você trabalha o tempo todo e quer ir na Dom Luís fazer uma compra no sábado, fim de tarde. Já imaginou a Dom Luís fechada, a Monsenhor Tabosa fechada? Sou contra essa coisa que regula o horário. Mas acho que tem que acompanhar bem os direitos dos trabalhadores. As coisas estão misturadas.
O POVO - O setor de supermercados já tem acordo para abrir e como foi essa negociação com os trabalhadores?
Pinheiro - Foi a evolução natural das coisas. O ser humano evolui, as demandas vão surgindo. Os supermercados já abrem no Brasil há não sei quantos anos, então aos poucos fomos conquistando esses espaços. Mas ainda há quem faça pontuações para que o setor não abra. Veja bem, o Código do Direito Comercial é muito antigo. Acho que dos anos 40. Estamos em 2009. E o código diz o seguinte: que somente podem abrir nesses horários empresas que vendam remédios, pães e verdura. Mas ainda não tinha supermercados. Acho que precisamos evoluir nesse conceito de relação de trabalho no Brasil. Precisamos compreender que o Brasil precisa é de trabalho.
O POVO - E por que as negociações entre empresários e comerciários de outros setores não avançam?
Pinheiro - Acho que as partes precisam ceder. Mas é preciso lembrar que o comércio no Ceará é composto por 96% de micro, pequenas e médias empresas. É um universo muito grande. Essa coisa precisa ser bem trabalhada. O direito do trabalhador tem que ser respeitado, o trabalhador tem que folgar. E é preciso fiscalizar esse direito do trabalhador. Mas o que está acontecendo agora é que estão atrelando a legislação apresentada pelo município para poder ganhar um pouco na negociação.
Honório Pinheiro nasceu em 1954 no distrito de Boqueirão, em Solonópole, distante 330 quilômetros de Fortaleza.
Honório é o segundo filho de uma família de cinco filhos. Quando os mais velhos começaram a vir para Fortaleza para estudar, os pais de Honório adotaram uma menina.
Na presidência da CDL, Honório Pinheiro colocou em prática um projeto voltado para a educação. Criou a Faculdade CDL que forma a primeira turma no ano que vem, e deve ser reconhecida pelo MEC.
Nas palavras de Honório Pinheiro “não há desenvolvimento sem educação e todos os que investem em educação recebem o bônus de uma forma muito célebre”.
Durante a entrevista, Honório destacou mais de uma vez a importância da capacitação do comércio cearense. Segundo ele, há gente procurando emprego e empresas recrutando e muitas vezes não se encontram profissionais pela falta de capacitação.
A entrevista foi acompanhada pela assessora de imprensa da CDL, Eugênia Nogueira. Antes de começar a conversa, educadamente Eugênia perguntou se poderia acompanhar a entrevista. A reportagem abriu uma exceção e disse sim. Muitas vezes a presença de outras pessoas inibem o entrevistado.
Honório se formou em Administração e mais tarde em Direito. Há pouco tempo fez cursou Psicologia. “Um curso que fiz de mim para mim com muito amor. Recomendo a qualquer um que tenha a possibilidade de fazer”.
Honório está no segundo casamento. Espera para os próximos dias o nascimento de Pedro, seu quarto filho.
Honório conta que se interessou pela psicologia inicialmente pelo interesse no campo organizacional. “O maior proveito que tirei do curso foi trabalhar melhor a minha escuta. Eu como latino e nordestino sou muito oral e a psicologia me deu a oportunuidade de desenvolver melhor a escuta”.
Honório Pinheiro deixa a presidência da CDL em julho. Quem assume o cargo é o empresário Freitas Cordeiro, dono Mil Tintas, FZ Imóveis e Himperjet
Uma das coisas difíceis era ter que tomar café da manhã peixe, almoçar peixe e jantar peixe. Mas depois as coisas melhoraram e a gente criou uma vaca, tinha leite. Essa foi minha primeira infância, dos zero aos sete anos
Sempre há momentos e eu cresci em um momento de grande crise do Brasil que foi na época do Collor, onde ele congelou os recursos de todo mundo
Então os pequenos, que somos nós, só estamos bem porque estamos cultivando e desenvolvendo um negócio chamado associativismo comercial, através da Super Rede
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